Na minha cidade, uma mulher matou-se. Durante toda a semana, por todo o lado se falava, se comentava, se tentava descobrir que razões teria para desistir da vida... Tinha 63 anos, e matou-se. No mercado, nas bancas da fruta e do peixe, as vendedeiras com voz consternada diziam só que ela andava mais triste, mais calada... Ninguém podia supor, uma mulher tão calma, tão simpática, tão serena, a casa sempre num brinquinho, comidinha a horas, roupinha do homem e da filha num primor que dava gosto... Chocadas, as pessoas que a conheciam não encontram motivo algum para um ato tão desesperado. Sabe-se apenas que deixou um bilhete em cima da mesa da cozinha: Se eu me atrasar, recolham a roupa.
Conta-se que no telemóvel da mulher que se matou, havia três mensagens, enviadas pouco antes da decisão tomada - para três amigas, todas com o mesmo texto: Posso ir aí a casa? Os relatórios deram as sms como entregues, mas ninguém lhe respondeu. Tenho pensado se o silêncio das amigas terá pesado na decisão da mulher que se sentou no cais, sozinha, à chuva e ao vento, a contar as ondas à espera da sétima, que a guardaria para sempre no ventre gelado e escuro do mar... Tenho pensado nisto, em quantas vezes olhamos os outros, os que amamos, e não reparamos que andam mais tristes, mais calados, talvez a controlar o ritmo das marés, quem sabe, também à espera da sétima onda...
A casa da mulher que se matou está fechada, abandonada. Somente no estendal da varanda, a roupa que ninguém apanhou enrodilhou-se com o vento, encharcou-a a chuva, e lá continua cosida com o arame, fina como a lâmina de uma faca, branca como uma mordaça... - Tão abandonada, tão gelada, tão só, como se fosse o único testemunho da mulher que se matou, sem ninguém saber porquê.