São coisas pequenas, sabes...? Coisas que se arrastam nos dias mais longos, na luz tardia, dourada, que espreita ainda pela janela da cozinha enquanto jantamos, coisas que não tiro quando me dispo e ficam comigo, encostadas ao meu rosto, sussurrando inquietudes debaixo do travesseiro. Pequenas coisas: o vento que enrolou a roupa no varal e encheu de sede as rosas... O peixe que deixei queimar enquanto lia os trabalhos dos miúdos... O velho que me bate à porta a pedir esmola e que tem a boca cheia de feridas... Coisas de nada, que se prendem a mim de mansinho e me fazem subir as escadas numa lentidão desalentada. Coisas que me entristecem, não sei bem porquê: os bilhetes esgotados para aquela peça de teatro que queria ver contigo em Lisboa; o texto que não sei escrever e que tenho que entregar até quarta-feira à noite; a festa onde não tenho vontade de ir; o meu poema inacabado sobre a morte de um poeta; as saudades de ouvir ecoar no chão da casa, os passos da minha filha; o meu rosto pálido, do outro lado do espelho; o frasco quase vazio do perfume que me deste... Coisas invisíveis, pequeninas, que empurram as palavras para longe e me enchem de silêncios... Coisas que não servem para fazer poesia, entendes...?
4 comentários:
O velho que me bate à porta, o vento que encheu de sede as rosas, o frasco quase vazio de perfume, a festa a que não tenho vontade de ir…
O velho, as rosas, o frasco, a desvontade, sou eu, somos nós, nem que por instantes...
E, no entanto, ao dar voz a todas estas pequenas coisas, vejo-a caminhar em direcção a um fabuloso destino! :)
Deixo-lhe um sorriso.
;)
Oh...! Obrigada, Gustavo :)
Retribuído, Caríssimo... :)
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