Sempre fui apaixonada por aves. Admiro-lhes os corpos frágeis e macios, a elegância das asas abertas em voos serenos, o canto admirável que me oferecem mal o primeiro clarão de luz rasga as trevas da madrugada, os acordes inimitáveis dos concertos ao fim do dia... Compro abrigos e casinhas que deixo no jardim, penduradas nas árvores, com as portas abertas num convite para que venham morar comigo e passo a vida a resgatar pardais da boca dos cães, da chaminé da lareira onde caem e ficam prisioneiras sem atinar com a saída... Gasto tempos infinitos com o olhar suspenso na observação dos melros, das pegas, dos pombos e das rolas, dos rouxinóis e tentilhões, até da velha coruja que me responde quando a desafio no silêncio da noite... Admiro-lhes a liberdade e a timidez e sem desistir, tento seduzi-las com grãos de arroz, restos de fruta, alface, migalhas de pão, banheiras de água, tudo em troca da fidelidade ao meu jardim, numa atitude egoísta que me permite ficar a ganhar com a presença destes animais admiráveis.
Cansados desta minha obsessão por aves, o meu marido e os meus filhos renderam-se por fim e ofereceram-me um canário no dia do meu aniversário. Entristece-me que tenha que estar enjaulado e sem companheira e por isso, para tentar minimizar a injustiça das grades e da solidão, coloquei-o lá fora, bem alto, a salvo da boca dos cães e das garras e do instinto felino do Sebastião, numa parede abrigada, aquecida pelo sol, sempre debaixo dos meus olhos. Chamei-lhe Orpheu, na esperança de que venha a ter um canto mágico. É uma ave jovem ainda, assustadiça, e estamos a conhecer-nos devagarinho... O Orpheu come o dia todo e espalha para todos os lados grãos de alpista que imediatamente foram descobertos pelas aves que me visitam. Agora, da janela da cozinha de onde o observo, o Orpheu não está só: em volta da gaiola, no chão, há pardais a catar os restos que ele despeja, num bailado encantador e ao som de trinados belíssimos que me proporcionam um espetáculo maravilhoso e inusitado... E essas aves atraem outras, e cada dia são mais... Não sei se o Orpheu está feliz... Eu estou... Porque sem o saberem, o meu marido e os meus filhos ofereceram-me, no dia dos meus anos, todas as aves do mundo...
6 comentários:
https://www.youtube.com/watch?v=ZU-mwqg1gQw
Nome aprovado!
Textos bons, estes onde se consegue antever um pouco da pessoa por trás da escrita... Tinha saudades.
OHHHH...! Gosto tanto!
Um abraço, Orpheu :)
Ele tem um belo nome. Mas, pobrezinho, não é livre.
bjs
Eu sei, Sónia... As aves não deviam viver em cativeiro, nem sozinhas... :(
Beijo, bom fds :)
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