É uma espécie de pacto entre nós, antigo e secreto. Desde sempre, desde que me lembro de ter aprendido a escrever, eu entregava-te os textos e tu corrigias - o vocabulário, os erros, os acentos, a pontuação. Em português e em francês. Ao longo de todos estes anos, não me recordo de ter escrito um texto "branco", como tu dizias... Havia sempre uma falha que eu não tinha visto, uma incoerência que não tinha detetado, uma repetição vocabular que tu achavas ruidosa, um verbo desapropriado. Nunca mo disseste, mas eu sei que aguardavas esse texto sem mácula pelo qual me haverias de dar os parabéns, o poema ou a composição a que, na forma e no conteúdo, chamarias perfeita. Por vezes sentia-te desiludida comigo (Como é que não sabes isto?! Mas então não viste este erro???) e jurava a mim mesma que o próximo passaria o exame dos teus olhos de professora, exigente e perfecionista.
Hoje quando cheguei, entreguei-te um texto sem dizer nada e deixei-te a sós com ele, como sempre faço. Esqueci-me até do assunto, às voltas com a louça, com a roupa, com a vassoura e o pano do pó... Depois fui ter contigo e vi uma estranha luz nos teus olhos, uma emoção diferente a que não soube dar nome... Abraçaste-me durante muito tempo... Passaste-me as mãos pelo rosto, prendeste-me o cabelo atrás da orelha... falaste: Tens tantas coisas dentro de ti... Coisas tão belas, filha...
Ao fim de todos estes anos eu senti-me aprovada, passada com distinção, sem cábulas, sem ter copiado ou feito batota, na mais difícil de todas as minhas provas... De mãos dadas, os corpos muito juntos, ficamos caladas a ver o sol incendiando as janelas, os gatos sobre os muros quentes, os cedros altivos paralisados na tarde sem vento, as roseiras já em flor trepando as varandas... Fingiste não me ver chorar, aninhada em ti... Sabias-me feliz por ter passado finalmente sem nódoas, a prova de fogo. No teu colo, o meu texto branco, silencioso, sorria-te docemente. Dentro do meu peito, o meu coração tinha-se soltado e corria veloz para ti, como uma cascata de água pura, uma nascente de vida.
Ao fim de todos estes anos eu senti-me aprovada, passada com distinção, sem cábulas, sem ter copiado ou feito batota, na mais difícil de todas as minhas provas... De mãos dadas, os corpos muito juntos, ficamos caladas a ver o sol incendiando as janelas, os gatos sobre os muros quentes, os cedros altivos paralisados na tarde sem vento, as roseiras já em flor trepando as varandas... Fingiste não me ver chorar, aninhada em ti... Sabias-me feliz por ter passado finalmente sem nódoas, a prova de fogo. No teu colo, o meu texto branco, silencioso, sorria-te docemente. Dentro do meu peito, o meu coração tinha-se soltado e corria veloz para ti, como uma cascata de água pura, uma nascente de vida.
3 comentários:
palavras que aproximam.
Uma ternura de texto
Obrigada, Eufrázio :)
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