E então escorrego para dentro dos meus olhos fechados... E do lado de dentro dos meus olhos há uma rua ventosa igual a tantas outras ruas cheias de vento e uma casa igual a todas as outras casas da cidade. Dentro dessa casa cheira a mar e ouvem-se as ondas num suave murmúrio ecoando toadas inquietas nas paredes pintadas de azul... Um corpo rasga as sombras e percebo que é o teu, pela maneira como te moves... O rádio antigo, abandonado no varandim amarelecido, deixa escapar do seu pequeno corpo de lata uma música imortal e há uma borboleta com as asas feridas presa entre as vidraças da janela onde o sol morre devagar, numa quietude morna... Lá fora o mundo move-se, impassível, alheio ao que sinto, e enquanto respiro a saudade lentamente, mantenho os olhos fechados, deixo que por uns instantes, num tempo suspenso, a memória te veja melhor.
3 comentários:
Admiro a tua escrita.
Ela "pega-nos" sempre pelo lado da ternura. Mas tem o sabor e o frio da noite presos nos tons diversos do azul. É nesta oposição sombra/luz que te inscreves, que te escreves e te dizes, poema.
Beijo
"E então escorrego para dentro dos meus olhos fechados... " Por vezes também preciso de o fazer, de me esconder em mim, mesmo que as memórias que se encerram nos olhos fechados sejam dolorosas...
Obrigado por não ter partido.
Obrigado pelo seu regresso.
Enviar um comentário