domingo, 4 de dezembro de 2011

Aprende o meu corpo. Aprende o teu corpo.


O ar de repente tornou-se perfumado e Maria de Magdala apareceu, nua. (...) Maria parou ao lado da cama, olhou-o com uma expressão que era, ao mesmo tempo, ardente e suave, e disse, És belo, mas para seres perfeito, tens de abrir os olhos. Hesitando, Jesus abriu-os, imediatamente os fechou, deslumbrado, tornou a abri-los e nesse instante soube o que em verdade queriam dizer aquelas palavras do rei Salomão, As curvas dos teus quadris são como jóias, o teu umbigo é uma taça arredondada, cheia de vinho perfumado, o teu ventre é um monte de trigo cercado de lírios, os teus dois seios são como os dois filhinhos gémeos de uma gazela, mas soube-o ainda melhor, e definitivamente, quando Maria se deitou do lado dele, e, tomando-lhe as mãos, puxando-as para si, as fez passar, lentamente, por todo o seu corpo, os cabelos e o rosto, o pescoço, os ombros, os seios, que docemente comprimiu, o ventre, o umbigo, o púbis, onde se demorou, a enredar e a desenredar os dedos, o redondo das coxas macias, e, enquanto isto fazia, ia dizendo em voz baixa, quase num sussurro, Aprende, aprende o meu corpo. Jesus olhava as suas próprias mãos, que Maria segurava, e desejava tê-las soltas para que pudessem ir buscar, livres, cada uma daquelas partes, mas ela continuava, uma vez mais, outra ainda, e dizia, Aprende o meu corpo, aprende o meu corpo. Agora Maria de Magdala ensinara-lhe, Aprende o meu corpo, e repetia, mas doutra maneira, mudando-lhe uma palavra, Aprende o teu corpo, e ele aí o tinha, o seu corpo tenso, duro, erecto, e sobre ele estava, nua e magnífica, Maria de Magdala, que dizia, Calma, não te preocupes, não te movas, deixa que eu trate de ti, então sentiu que uma parte do seu corpo, essa, se sumira no corpo dela, que um anel de fogo o rodeava, indo e vindo, que um estremecimento o sacudia por dentro, como um peixe agitando-se, e que de súbito gritava, ao mesmo tempo que Maria, gemendo, deixava descair o seu corpo sobre o dele, indo beber-lhe da boca o grito, num sôfrego e ansioso beijo que desencadeou no corpo de Jesus um segundo e interminável frémito.

José Saramago, O Evangelho segundo Jesus Cristo

8 comentários:

Lídia Borges disse...

E tudo se enche de uma inocência que emerge do ventre da Natureza, da natureza das coisas, da natureza do Homem.

É assim, nesta inocência casta, que o leio, que o sei...

Um beijo meu

Saudades

Anónimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=vUSzL2leaFM&feature=related

Anna disse...

E agora, Lídia, que já não há mais palavras do Saramago para ler? E agora?

Um beijo

Saudades...!

Anna disse...

Caro Anónimo,

Obrigada... :)

António Gallobar - Ensaios Poéticos disse...

Uma verdadeira preciosidade, muitos parabens pela escolha

Anna disse...

António, o Saramago é precioso e textos como este, são tesouros literários... Muito obrigada pela visita e pelas suas palavras :)

Mª João C.Martins disse...

Assim, como quem nos aponta o verdadeiro caminho, no encontro com a divindade implícita do amor. No belo, não existem dogmas, apenas a natureza dos sentidos e nela, também, a pele que nos veste.

Ninguém como Saramago para nos dizer isso, assim...

Um beijinho, Paula

Anna disse...

Ninguém como Saramago, Maria João. Ninguém.

Beijo