Barco Negro - Composição de David Mourão- Ferreira para a voz de Amália Rodrigues
Na minha cidade, na semana passada um pescador desapareceu quando o barco em que pescava foi frágil demais perante a força das águas do mar revolto e irado. As praias encheram-se de gente curiosa, de amigos, de familiares, de profissionais que têm usado todos os meios terrestres, aquáticos ou aéreos para resgatar o corpo do jovem homem. Dias houve em que a força das correntes e a altura das ondas alterosas tornaram impossível que alguém entrasse no mar, que sequer o desafiasse... Restava aguardar. As praias têm sido policiadas numa atitude de passividade, a única possível, na esperança de que o cadáver dê à costa. Li num dos jornais locais que a mãe do pescador desaparecido permaneceu longo tempo sobre a areia, louca de dor, chorando e gritando, implorando ao mar sagrado que lhe devolvesse o seu menino... Possivelmente a mulher e os filhos contarão as horas do dia e da noite, imaginando o corpo amado aos tombos na água gelada, desfazendo-se aos poucos, ou encarcerado nas profundezas do oceano... E a mim parece-me uma dor infinita, esta de não se ter a certeza se aquele que amam lhes será devolvido algum dia, nos próximos dias ou quem sabe, nas próximas horas... É uma dor sem fundo... como o mar infinito e sagrado cujos confins se desconhecem mas que nós homens, mesmo assim, nos atrevemos a desafiar. A mim parece-me uma dor negra e sem fim, a da espera noite após noite, de olhos abertos no escuro, numa eterna e desesperada oração, pedindo a Deus ou à água negra que deite fora aquele que roubou ao coração de quem o ama tanto. Pelo menos para que o vejam pela última vez, se despeçam dele e o devolvam à terra que o tranformará em pó. Porque quem o ama sabe que só assim ele descansará em paz.
10 comentários:
Estranha forma de vida, a dos poveiros...Amam o mar ao ponto de lhe morrer no regaço...
Texto triste, mas bonito.
Os meus pêsames à família. Oxalá se encontre o corpo logo.
Bjo
Da vastidão dos céus à vastidão do mar.
Em ambos, há ir e voltar.
Sem demorar.
Mesmo que seja num triste regressar.
Duma dor tão profunda.
Tão profunda como o mar.
Há ir e voltar, oh mar, oh mar.
Do muito te amar,
Não te quero odiar.
Devolve-me o que aí jaz,
Para que possa ter paz.
E ainda assim,
Te continuar a amar,
Oh mar! Oh mar!
***
Gostei do vídeo, acho que o vou postar.
Saga violenta, amiga, esta dos "homens do mar"!
Dilema difícil o de quem do mar, imensamente belo, tem paixão e, simultaneamente, temor!
E, quando "rouba" vidas, por vezes tão jovens, parece não as querer devolver, prolongando a dor dos que ficam!
Belo texto, duramente realista.
Beijinhos
Ana Paula, um texto triste, triste, negro! O meu abraço a todas as gentes do mar.
Não só os poveiros, Pedro. É assim com todas as gentes do mar.
Um beijo
Olá Olga, obrigada pela visita e pelas palavras.
O corpo do pescador desaparecido apareceu hoje. Agora a família e ele já podem descansar.
Um beijo
Joe, o vídeo é lindo sim, e as palavras do David Mourão-Ferreira também. Assim como as tuas :)
Obrigada pela partilha.
Quicas, é realmente assim, o nosso mar infinito e sagrado...
Um beijo
Obrigada pela visita e pelas palavras, ORPHEU.
Um beijo
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