Antes de sair de casa, ela guardava as lágrimas no bolso mais fundo. Depois andava o dia todo a desembrulhar sorrisos abertos e quando lhe fugiam as forças, metia discretamente a mão no bolso e empurrava as lágrimas mais para dentro, sentia-as atravessarem-lhe o tecido da roupa, humedecerem-lhe a pele morna do peito. Com os dedos molhados, ajeitava então os cabelos em desalinho, naquele gesto tão dela que todos lhe conhecíamos, e sorria de novo. Chamavamos-lhe cabelos de chuva.
Nunca a vimos chorar. Nunca a veremos chorar porque ela partiu hoje, a mulher que guardava as lágrimas no bolso mais fundo.
Quando me fui despedir dela, fiquei muito tempo a olhar-lhe os dedos entrelaçados, cruzados sobre o peito finalmente seco de lágrimas. No rosto cadáver, um teimoso ponto de luz iluminava-a toda: o mais belo sorriso aberto que jamais lhe conheci.
8 comentários:
Fabuloso texto, Ana, a mais bela descrição de um sorriso de cadáver que já pude ler, uma imagem de imensa ternura que dará prazer recordar!
Beijinho
É só um texto triste, Joaquim.
Sentido.
Obrigada!
Um beijo, bom fds :)
as lágrimas também se abatem - como as árvores.
e os homens!...
não as antigas mulheres de Atenas!
beijo
(...)E quando as lágrimas nos abatem...? Caímos por terra ou morremos de pé, como as árvores?
Um beijo
Não gosto de corpos deitados com os dedos entrelaçados sobre o peito. Não gosto. Choro, choro sempre!
Guardar lágrimas não deve ser bom!
Beijinho, Amiga!
:(
Um beijo, Lídia.
Quanta solidão nessas lágrimas reprimidas, quanto sofrimento, quando desespero por detrás desse sôfrego transpirar, como se só a morte lhe trouxesse finalmente a paz tão ansiada e com ela o peito e os cabelos secos e o mais belo sorriso aberto… angustiante...
A angústia da morte para os que ficam, a paz para os que nos deixam...
Um beijo, Gustavo.
Enviar um comentário