Do Natal ao Ano Novo viro-me para dentro de mim e espreito o avesso daquilo que dou aos outros. Acontece-me já há alguns anos, fico mais silenciosa, são mais suaves os meus passos, mais tranquilos os meus gestos, movo-me com outra serenidade... Desacelero, no sentido literal do verbo. E reviro a casa de pernas para o ar. Preciso de a olhar com olhos de ver, de a sentir enquanto organismo vivo que durante o ano maltrato com ausências, com chegadas tardias, com correrias insanas até na hora das refeições. Olho-a e vejo-a. E porque as casas respiram, adoecem e envelhecem, passo a pente fino gavetas e armários, examino clinicamente louças, roupas, bibelots e tralha que durante tantos meses vai ficando negligenciada, desfaço-me do inútil, do velho, do partido, do feio, do degradado... Recupero tudo o que posso, aproveito o que pode ainda ser reutilizado. E compro coisas novas. Pequenas coisas que são um sorriso, um grito de alegria, um toque de cor e de luz na monotonia da vida - uma moldura, uma jarra, um tapete, uma vela, uma toalha - ou então mudo objetos de lugar para que me surpreendam quando meto a chave à porta... Gosto de arrumar, de saber exatamente onde está cada coisa, de guardar as minhas roupas por cores e por tons em degradé, de alinhar as canetas e os lápis, os livros e os cadernos por tamanhos e por utilidades. Esta imposição severa dá-me a sensação de controlar o meu pequeno mundo, mas talvez seja apenas uma forma de tentar combater o caos quotidiano onde me embrulho e que me faz adiar projetos que sei agora, são cada vez mais irrealizáveis - (nunca vou escrever um livro de poemas, aprender a tocar piano, a dançar sapateado, a pintar, a bordar...) - Dantes fazia listas de desejos, de sonhos, de decisões a tomar no novo ano... Agora rio-me dessa infantilidade e dessa pretensão quase divina de tentar comandar os meus dias. Vivo cada vez mais, um dia de cada vez. O melhor que posso, o melhor que sei. Não preciso de quase nada para ser feliz, não tenho ambições materiais e não acumulo más recordações, desejos de vingança ou sonhos impossíveis... Não guardo coisas más dentro do peito, nem tenho facas espetadas no coração - perdoei-me e perdoei a quem tinha de perdoar. A única coisa de que preciso é de tempo, para mim e para os outros. Para os que me amam e fazem de mim uma prioridade, para os que se preocupam comigo e para os que precisam de mim. É esse tempo que me falta para me dar a quem se dá a mim. É esse tempo que espero que 2014 me traga. Isto e claro, um corpo que se mantenha saudável e não me traia com cansaços mesquinhos nem se deixe apanhar por uma qualquer doença com um nome terrível...
E como o futuro a Deus pertence, no presente vou tentando ser feliz. Um dia de cada vez. Afinal, a vida é assim: um dia a seguir ao outro. Todos os dias.
4 comentários:
E não será a sua vida um "livro de poemas"?... Já só falta o sapateado...
Hoje ofereço-lhe a minha ;)porque é a expressão que a Anna planta no meu rosto sempre que a leio.
Gosto muito de a ler, mesmo sem a conhecer aprendi a gostar de si, gosto muito de si e como tal desejo-lhe para 2014 o que desejo aos que mais amo, muita saúde, harmonia familiar, pão na mesa e força de vontade para continuar a lutar.
Feliz 2014
;)
De preferência
com um pauzinho na engrenagem
Bom ano
Caríssimo,
Não sei se a minha vida é um livro de poemas... Quanto ao sapateado, vou arriscando com a ajuda da esfregona enquanto limpo o chão da cozinha... e acho até que daria uma fantástica bailarina... :)
Obrigada pelos seus votos que retribuo, De Profundis!
Um muito feliz Ano Novo!
Deixo-lhe um beijo
De preferência sim, Eufrázio :)
Feliz Ano Novo!
Um beijo :)
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