sábado, 11 de agosto de 2012

Num sossego azul


Não lhe pedi que viesse. Pedi-lhe só que às dez da noite, e pela última vez, a sua lembrança me esperasse ao caminho. Cheguei cedo e sentei-me. Quando soasse a hora, eu queria senti-la ao pé de mim, não bem no seu corpo, não bem nas suas palavras, mas apenas naquele sossego azul que tornava o mundo perfeito. No momento combinado, eu havia de respirar o sonho de quando não sabia que era sonho.
Tudo isto está errado. Vejo-lhe daqui o erro fechado e exacto como um cubo de pedra. Mas sei que lá dentro não há erros de fora. Por isso, espero. Não lhe pedira que viesse. Também não tinha pedido a Lua, e a Lua veio, precisamente, quando pensei que era bom haver Lua. Não fiquei pois surpreendido, quando, à hora marcada, no caminho que vai à fonte, Marta apareceu tão leve como a sua lembrança. Percebi então que as mimosas rescendiam através da noite sem medos. E que havia em roda pinheiros e veios de água e que eu estava ali no meio de tudo.

Vergílio Ferreira, "Adeus" in Apenas Homens e Outros Contos 

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