As pessoas não morrem: andam por aí. Quantas vezes sinto à minha volta, não apenas a presença, o cheiro, a cumplicidade silenciosa, palavras que saem da minha boca e me não pertencem, penso
- Não fui eu quem disse isto
e realmente não fui eu quem disse isto, foram as pessoas mortas, exprimem opiniões diferentes das minhas, aproximam-se, afastam-se, vão-se embora, regressam, não me abandonam nunca. Em que parte da casa moram, qual o lugar onde dormem, devíamos deixar pratos a mais na mesa, talheres, copos, almoço que chegasse, os guardanapos nas argolas, um lugar no sofá, metade do jornal, dado que não se sumiram: andam por aí, invisíveis (invisíveis?) densas de humanidade, tão próximas.
Os cemitérios são lugares vazios, só árvores, sem defuntos, só a gente, que arranjamos as campas, sem entendermos que não existe ninguém lá em baixo. Uns pardais nos choupos, nada. Que sítios tranquilos, os cemitérios, que inútil a palavra defunto.
Segredam-nos
- Não faleci, sabes?
e não faleceram, é verdade, continuam, na nossa lembrança, continuam de facto, pertinho. Quase sem ruído mas tomando atenção, percebem-se, quase não ocupando espaço mas, reparando melhor, ali, iguais a nós, tão vivos. Andam por aí, pertencem-nos, pertencemos-lhes, não deixamos de estar juntos: Quando é necessário poisam-nos a palma no ombro. E agora, na mesa a escrever isto, espreitam o papel, sabem, melhor do que eu, as palavras que se seguem.
Há palmas tão bonitas quanto os pássaros. Daqui a nada, sem que ela dê por isso, começa a cantar. E, ao cantar, começo a escutar as ondas. Uma após a outra. Para mim. Atrás destas janelas e destas árvores há-de haver uma praia. Reparem.
António Lobo Antunes, "Aqueles que andam por aí" in Revista Visão (19 a 25 de janeiro 2012)
2 comentários:
Denso, claro!...
É António Lobo Antunes.
Beijinho
Denso, profundo, belíssimo e perturbador. António Lobo Antunes, claro :)
Beijo e abraço apertadinho :)
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