Na cidade varrida de chuva e de vento, a mulher caminhava, os cabelos em desalinho colados ao rosto, os passos perdidos num vendaval interior que só ela sabia. Procurava o ponto exacto onde se perdera. Insensível ao frio que lhe roía os ossos, nem percebia que tinha fome. Nem percebia que tinha frio. O casaco de fazenda grossa tornara-se pesado, pingando toda a água da tarde de chuva que caía sobre a cidade. Mas a mulher, à procura do seu rumo, nada sentia, não via ninguém... Procurava-se. Era isso que ela fazia, no meio do frio deste Dezembro tão triste.
De repente, a cidade acendeu todas as suas luzes e a mulher piscou com uma surpresa assustada os olhos molhados... Afastou os cabelos do rosto com as mãos duras de frio e apertou contra o peito o casaco pesado de chuva com ambos os braços. Lentamente, começou a caminhar, os olhos vazios cravados num ponto qualquer, que mais ninguém via... Depois, arrastando os passos, desapareceu debaixo da chuva.
Na mesa ao lado, dois jovens de mãos dadas sorriam e fumavam o mesmo cigarro. E lá do fundo, junto ao balcão, alguém em voz alta disse que é quase Natal.
4 comentários:
E lá do fundo, junto ao balcão, alguém em voz alta disse que é quase Natal.
Uma voz arrastada pela embriaguez repetida num ritual quase religioso de tão frequente... Fez questão de repetir o alerta. - É quase Natal caraças!
Na mesa ao lado o casal partilhava o cigarro indiferente ao homem embriagado, com a mesma indiferença que o referido personagem reagiu à mulher de cabelos em desalinho que passava na rua, a sua mulher, que mais uma vez havia deixado os filhos em casa entregues à sua sorte para procurar o Pai e marido que insistia em trocar o lar por um qualquer bar...
E era quase Natal..
Podia perfeitamente ter sido assim...
Um beijo, Pedro
Um retrato excelente de uma noite de natal. Quantas pessoas não vivem o Natal tal qual o descreveu no seu belo texto?
Um abraço e boa semana
Obrigada, Carmo.
Um beijinho
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