Na rua mais sombria da minha cidade, o sol não entra para iluminar os passeios e aquecer os rostos de cal das casas... Fica perdido entre os telhados alinhados, sem forças para rasgar a barreira do casario, e perde-se timidamente na nesga azul de céu, estendida ao comprido como um farrapo triste. E no entanto, é a rua mais bonita da minha cidade, cheia de vento salgado que me bate no rosto e acorda coisas boas que dormem nos cofres da memória... A rua mais bonita da minha cidade cheira a pão e a nostalgia... Gosto de caminhar contra o vento norte que me empurra o peito e traz as vozes das gaivotas, me limpa a tristeza do rosto e seca todas as lágrimas... Gosto de deixar entrar o vento em mim, na casa do meu coração, batendo portas e janelas num vendaval que tudo revolve e me faz ver com mais nitidez o que repousa cá no fundo... E gosto de regressar com o rosto gelado, todos os fantasmas adormecidos na alma tranquila e as mãos fechadas em punho para não deixar fugir os pedaços de vento ainda presos entre os meus dedos...
18 comentários:
Compreendo-te tão bem, que até eu mesmo podia ter escrito este texto, falar das mesmas sensações, quiçá das mesmas emoções. Gosto do vento, tu sabes, e ele diz-nos tantas coisas que nunca nos cansamos de o ouvir.
Um abraço
Ana Paula em estado puro...
Texto magnífico....o vento salgado e o teu mar chegaram aqui.Também passeio por essa rua algumas vezes acompanhado pelas memórias de um passado..
Le Chateau
Que maravilhas se escondem, tantas vezes, pelas ruas de uma qualquer cidade, quanto mais pela nossa!
Beijinho
Cansado!
A idade já não é o que era e a vida teima em ser madrasta acelerando a erosão dos anos…
Voltar aos bancos da escola quando os quarenta já espreitam, deixa marcas.
A pressão é muita.
Resultados… Competição… Promoção… Hierarquia… Brio pessoal… Exemplo.
Cansado!
Lisboa cheira a solidão e a indiferença. Vazio…
Betão, multidão, gases de escape, confusão…
Sobrevivo a custo.
Sinto saudades. Quero regressar nem que seja por breves momentos…
Preciso interromper esta apneia de afectos, dos sentidos, da vida…
Quero regressar…
Faço-me à estrada, decidido a galgar desenfreadamente os trezentos e muitos kilometros de estrada que me separam da vida.
Calor… suor… cansaço… esperança.
Mais kilómetros até que…
Primeiro o casario e a voz do Veloso nas palavras do Tê (talvez haja vida para além duma estada prolongada na capital) …
Mais kilometros… e por fim os pulmões e a alma sentem o aroma da maresia…
Quase em casa…
Percorro as ruas da cidade. Revejo os rostos sofridos marcados pelo mar. Familiares… Precipito-me para a marginal. Olho o mar como quem olha um amigo ausente de longa data. Vou ao seu encontro. Mergulho. E naquele instante sinto que Deus vem ao meu encontro para me abraçar. Deus existe!
Ressuscito a cada regresso ao mar da Póvoa. Ressuscito a cada regresso a casa.
Póvoa de Varzim. É bom viver aqui!
Cumprimentos do Pedro Gaivota( sem grande eloquência mas com verdadeiro sentimento).
Sim Alquimista, eu sei como amas o vento... E sei também que te revês nas minhas palavras...
Tu abraças-me, eu beijo-te.
Volta sempre :)
LC :)
Obrigada pelo elogio e pela partilha. Ainda bem que as palavras conseguem ser pontes até ao coração de quem nos lê. Quem sabe se já nos cruzámos sem saber, naquela rua ventosa que cheira a sal e a pão?
Beijo
Quicas, eu amo a minha cidade estendida até ao mar frio e azul, cheia de sol e de vento... E sim, ela esconde maravilhas que as minhas palavras não conseguem traduzir.
Beijinho
Pedro, li-te o cansaço e o desabafo, a alegria e a serenidade... Parabéns pelo texto tão bonito :)
E ainda bem que recomeçaste, que tiveste a coragem de recomeçar mesmo que isso te leve para longe da cidade onde é bom morar. Desejo-te muitas felicidades e espero que tudo corra bem :)
Beijo
P.S - "A dor é temporária, a vitória é para sempre" (autor desconhecido)
O vento sussurrando...
O mar salgado murmurando...
As vozes das gaivotas contando histórias de amor...
Idílico !
Bj carinhoso,
Maria Campos
Obrigada pela visita, Maria Campos :)
Um beijinho
Gostaria tanto que Pedro Gaivota, esse anónimo desconhecido, partilhasse seus sentimentos transformados em palavras, num blog seu.
Sería concerteza sua seguidora.
Fica o desafio.
Maria CAMPOS.
Abusivamente, e penitencio-me por isso, atrevo-me a usar este espaço para responder à Maria Campos.
Maria, agradeço as suas amabilíssimas palavras e comprometo-me a verter num blog tudo aquilo que me vai na alma, no dia em que a Ana Paula "De Profundis", acrescentar o meu nome à lista de “inesquecíveis” ou no mínimo à de “inimitáveis” que figuram na faixa direita do seu blog…
Até lá, mantenho-me humildemente a reagir aos textos dos outros…
Pedro Gaivota
É divertido assistir à conversa entre os meus leitores :) E se me permites Pedro, uma vez que falaste em mim, devo dizer-te que não poderias integrar a lista dos "Inesquecíveis" uma vez que estás bem vivo, felizmente.Quanto à dos "Inimitáveis", poderás integrá-la quando escreveres um livro, daqueles com asas que me transportam a tantos mundos... Fico à espera... mas desde já aviso que a administradora deste espaço é muito exigente e não aceita subornos de qualquer espécie.
Um beijo :)
Desculpem entrar também ao barulho...
De Profundis e Pedro Gaivota, entendam-se por favor, O.K. ?
Entretanto, insisto no blog....
Bjcs aos dois,
Maria Campos.
Maria Campos, eu não estava a discutir com o Pedro. Só a conversar.
Um beijo
É a minha sina...
Miúdas giras a digladiarem-se por mim…
Desenharam-me assim… Charmoso, inteligente, viril…
É a minha sina...
Cumpimentos do Pedro Gaivota
Esqueceste-te da modéstia, Pedro. E, claro, do sentido de humor :)
Um beijo
Olá Anna, espero que tudo esteja bem contigo!
Agradabilíssimos teus escritos, lendo-os consigo visualizar na mente a situação narrada por você, talvez por ter gostado deveras deste texto, desta rua que não permite a entrada da luz do sol. Parabéns por sensíveis escritos que expressam sentimentos quase palpáveis! Desejo pra você e todos ao redor iluminada existência, grande abraço e até mais!
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