sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Palavras humanas


(Sei que andas por aí, oiço os teus passos em certas noites, quando me esqueço e fecho as portas começas a raspar devagarinho, às vezes rosnas, posso mesmo jurar que já te ouvi a uivar, cá em casa dizem que é o vento, eu sei que és tu, os cães também regressam, sei muito bem que andas aí.)
(...)
(Esta noite atiraste ao ar a tigela da água, como costumavas fazer sempre que estava vazia, esqueci-me de enchê-la, ouvi-te perfeitamente a sacudi-la, estavas a chamar por nós, não disse nada a ninguém, ainda vão julgar que estou a ouvir coisas, mas logo não me esquecerei, podes estar descansado, quando vieres verás que a tigela está cheia, se a dona perguntar por que lhe ponho água, direi que são hábitos, ou talvez não, talvez lhe diga a verdade: O cão está cheio de sede.)
(...)
(Sei muito bem que as pessoas saem dos retratos, sei isso desde pequeno, mas tu não, estás proibido de voltar a fazer o que fizeste esta noite, não posso entrar na sala e ver outra vez a tua moldura vazia.)

Manuel Alegre, Cão como nós

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