quinta-feira, 14 de maio de 2015

Crónicas do Vento Salgado


Lentamente, a praça enche-se de sol e de ruído. No único banco sem sombra só estou eu, nas mãos - aninhados - os poemas de Herberto Helder, nos olhos o mel dourado das suas palavras... De repente uma bola azul e branca tomba-me no colo, umas mãos pequeninas vêm reclamá-la e uma voz tímida sussurra um Obrigado! quando a devolvo. Regresso aos poemas já menos concentrada: junto do banco pombas e pardais bicam restos de pão, lutam por um quinhão de croissant com chocolate que abandonam em fuga espavorida, tentando pôr-se a salvo da rota da correria doida de um cão... Devolvo a bola ao miúdo outra vez e outra e mais uma ainda... E agora os Obrigados trazem gargalhadas que rebrilham à luz morna da manhã como cascatas de água cristalina. 
Desisto: fecho o livro e abro o caderno dos apontamentos... Na folha branca nasce-me, sem avisar, um poema parolo onde sol rima com bola, com criança e com ave... Tenho a certeza que, de dentro do seu maravilhoso livro, com um sorriso condescendente, o Herberto Helder me perdoa o mau gosto... 
Fecho os olhos e viro o rosto para o sol. Pela quinta vez, tenho uma bola azul e branca nas mãos. Sorrio. Decididamente, gosto de praças cheias de sol e pombas, com cães a correr e crianças a jogar à bola.

15 comentários:

Lídia Borges disse...


"Ouvi" tudo e gostei tanto!

Beijinho

Vou levá-la para junto das outras. :)

Anna disse...

Podes levar... Fica a salvo, contigo.

Beijo :)

Mar Arável disse...

Numa bola azul tudo é possível
Bj

Anna disse...

Sim... numa praça cheia de sol, também...

Beijo, Eufrázio :)

Anónimo disse...

Se eu não soubesse que somos conterrâneo diria que a Anna vivia no Pais das Maravilhas...

;)

Anna disse...

Caríssimo conterrâneo :)

É sim, a cidade de todas as maravilhas e não gostaria de morar em nenhuma outra... É bom viver aqui, sentir a cidade e o mar, sair a pé sozinha, a qualquer hora do dia ou da noite, pelas ruas e pelas praças, caminhar na areia e deixar que o sal do vento se nos cole ao rosto, aos cabelos... A nossa cidade tem qualidade de vida, se quisermos sair do sofá e descobri-la...
Desejo-lhe um bom fds na cidade maravilhosa!

Beijo :)

Majo disse...

~~~
Não acredito que o seu poema tenha sido simplório...
~~ Impossível, se a sua prosa poética é excelente!

~~~~ Nem toda a poesia deve ser surrealista,
~~ nem o surrealismo ser considerado a única
~~~~~~~~~ forma superior de Poesia.

~~ Beijinhos. ~~~~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Anna disse...

Obrigada, Majo!

Um beijinho :)

Manuel Veiga disse...

belíssima aguarela...
(com poemas à mistura)

envolvente - a tua escrita.

beijo

Anna disse...

:)

Beijo, Herético.

Anónimo disse...

a palavra "obrigada" um dia me foi ensinada como sendo indelicada, pois significava um reconhecimento da obrigação que o outro tem para comigo, logo deve-se dizer "agradecida", no entanto quando recebo gestos de carinho inesperados como, por exemplo, uma voz, a resposta me escapole, feito o cheirar a uma flor, aonde se corre o risco de espirrar, mas não resisto. obrigada por tuas palavras.

Anna disse...

"obrigada" - adjetivo feminino singular = grata; reconhecida; agradecida.

Muito, muito obrigada!

Beijinho :)

ORPHEU disse...

Surpreendente: a facilidade com que fazes textos sensíveis a partir de trivialidades quotidianas. Tens mesmo um outro olhar.

Beijos daqui

Anna disse...

Majo, vivo na (maravilhosa) Póvoa de Varzim :)

Beijinho

Anna disse...

Orpheu, obrigada!

Beijo para aí :)