segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Da dor


A dor é temporária; desistir é para sempre.
E eu gosto de corações guerreiros.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O voo do coração


Sento-me no chão do escritório com as pernas à chinês e encosto-me à cal branca, agradavelmente fria. Demoro os olhos pelas estantes carregadas de livros que agora, depois de horas de arrumação e limpeza me sorriem felizes, espreguiçando-se nos seus espaços. Tudo está em ordem, à espera de um novo ano de trabalho. Só faltam as fotografias. Olho as pilhas que já fiz e que esperam pacientemente a minha organização. O chão está coberto de montinhos que me envolvem e me chamam... Decido-me finalmente pelas fotos a preto e branco. Vou separando devagar, por anos, chamando a memória, recuando dentro de mim. E de repente, páro. Entre as minhas mãos, a mais bela foto que possuo olha-me sorrindo, cheia de brilho que o peso dos anos não matou. É uma ampliação em tamanho A4, de grande qualidade, em papel brilhante. Na imagem todos sorriem: os meus pais, que se olham ternamente nos olhos, eu e os meus irmãos, os três de mãos dadas com olhos felizes e expressões inocentes, deliciosas. O meu pai segura no colo um lindíssimo cão branco de pêlo longo e macio, cujo nome eu não recordo... E de repente regresso a Luanda e sou pequenina de novo, brinco todo o dia quase sem roupa num jardim muito verde carregado de palmeiras e estrelícias gigantes, às escondidas e em loucas correrias com os meus irmãos e tenho o quarto cheio de bonecas e como frutos das árvores e sinto o cheiro do cacimbo e tenho medo das trovoadas, dos relâmpagos e dos trovões que parecem destruir o meu pequeno mundo onde sou tão feliz... De repente, o meu pai não morreu e eu sento-me no colo dele que brinca com os caracóis dos meus cabelos até que eu adormeça, cansada de brincar...
Coisa estranha, o coração da gente... Às vezes foge-nos, sai-nos do peito num alvoroço que faz doer e corre veloz por cima dos anos, sem se cansar... Mas quando regressa, vem diferente. Traz feridas que sangram e cicatrizes que não fecham, testemunhas fiéis de que as emoções humanas são impossíveis de comandar. Por isso o respeito tanto, o meu coração. Por isso o deixo em voo livre pelos labirintos do tempo, levantando as pedras da memória, arranhando o musgo gelado da saudade... E quando ele regressa, verifico que pulsa ainda, num bater aflito e descompassado... Recolho-o com carinho e aninho-o dentro do peito, encaixo-o entre os meus seios...
Sorrio. E limpo a fotografia com a palma da mão para que o sal das lágrimas não a manche para sempre.

domingo, 15 de agosto de 2010

Da eternidade


devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.

José Luís Peixoto

sábado, 14 de agosto de 2010

Ela


Caminhava devagar pela cidade, o peito enchendo-se do cheiro salgado da maresia, o frio vento norte desalinhando-lhe os cabelos, empurrando-lhe os passos lentos e arrastados... No rosto gelado nenhuma expressão se adivinhava, nada naquele olhar denunciava o mundo secreto e fugidio das emoções que lhe invadiam o coração. Mas ela chorava. Caminhava sem rumo, ao acaso, e tinha os olhos cegos de lágrimas pousados no sol que morria sobre o mar, devagar... avermelhando os céus a ocidente, fazendo-os sangrar...
Ninguém reparou nela. Ou então, ninguém estranhou. Afinal, há tantos caminhantes com os olhos cheios de lágrimas, à beira-mar...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Da dor


Para poder rir verdadeiramente devemos estar disponíveis para apanhar a nossa dor e brincar com ela.

Charlie Chaplin

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Ofereço-te o Verão


Ofereço-te o Verão... como se fosse um abraço.
Não tenho mais nada para te dar...
Num abraço, colam-se dois corações
e rouba-se o perfume do outro corpo...
Assim... Como se fosse sempre Verão
por debaixo da pele.

Ofereço-te um abraço...
Aceita-o com o teu sorriso de sol
que solta ventos, que provoca ondas,
Que acende o Verão em mim.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Da ausência


Não quero viver
sem ti
mais nenhum tempo

Nem sequer um segundo
do teu sono

Encostar-me toda a ti
eu não invento
Tu és a minha vida o tempo todo

Maria Teresa Horta, Sem ti

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Frágil...


Fui lá fora ver. A noite estava parada, suspensa, como se aguardasse talvez uma ordem divina. Imóveis, as árvores fitavam-me com os seus olhos de folhas quietas, sentinelas vigilantes do fluir do tempo. A inquietude que sinto não é de hoje... Cresce na madrugada quando o silêncio cai e as paredes da casa arrefecem lentamente despindo-se do calor deste Verão tão quente. E esta melancolia triste insinua-se, esta ideia que se encostou a mim como uma sombra, que me espreita por cima do ombro e torna os meus passos mais lentos e inseguros. De repente o medo, esse sentimento tão humano, tem uma voz que rasga o silêncio como o ribombar assustador de um trovão inesperado...
E se eu não consigo?...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ouvir o silêncio


A coisa mais bonita e mais difícil de partilhar entre duas pessoas é o silêncio.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O peso do meu coração na tua pele


Quero dar-te a coisa mais pequenina que houver
bago de arroz grão de areia semente de linho
suspiro de pássaro pedra de sal
som de regato
a coisa mais pequenina do mundo
a sombra do meu nome
o peso do meu coração na tua pele.

Rosa Lobato de Faria, Poemas Escolhidos e Dispersos

A vontade do Amor


Donde pode nascer o Amor? Talvez de uma súbita falha do Universo, talvez de um erro, nunca de um acto de vontade.

Marguerite Duras

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Vox populi, vox Dei


O rio entrega todas as suas águas ao oceano e nem por isso está vazio.

Provérbio chinês

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Acontece em mim


Às vezes acontece-me. Às vezes as palavras, todas as palavras que eu quero dizer, não nascem em frase nenhuma. E depois, sabes, sufocam-me. Fazem-se pedras dentro do meu peito e pesam muito fundo, algures, nas encruzilhadas do coração... São ondas que rebentam em angústia. São facas. E então, eu tombo... Tombo para dentro de mim, para o lugar mais escuro nos confins de um poço onde sei que ninguém me alcança. Às vezes acontece-me. Às vezes não quero que me encontrem, que saibam de mim, que sequer ouçam os meus passos... Escorrego devagar para o avesso de mim e fico em silêncio... Como um bicho qualquer, enrolo-me para dentro, recolho as pinças, mudo de cor e fico imóvel. Embrulho-me numa tristeza a que não sei dar nome. E dói-me, dói-me muito. Como se me tivessem dado um tiro no coração.
Às vezes, tudo isto acontece em mim...